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1 de abr. de 2020

São Paulo enterra ao menos 30 casos suspeitos de coronavírus por dia

Foto: Roberta Aline/Cidadeverde.com
Os cemitérios públicos da cidade de São Paulo estão recebendo diariamente de 30 a 40 corpos de pessoas que morreram com suspeita de estarem contaminadas pelo novo coronavírus, mas sem que a condição fosse avalizada pelo teste laboratorial.
Por causa do atraso do Instituto Adolfo Lutz em disponibilizar os resultados dos testes de comprovação da doença, a imensa maioria desses mortos não aparece na contabilização feita pelo Ministério da Saúde como óbitos decorrentes da Covid-19.
Em quase todos os casos, os médicos que assinam os boletins de óbito, fundamentais para a permissão do sepultamento, afirmam que aguardam os resultados de exames para comprovação da causa da morte e apenas apontam para suspeita de Covid-19.
Das 201 mortes registradas oficialmente no país até esta terça-feira (31) em decorrência da infecção pelo novo coronavírus, a cidade de São Paulo respondia por 121, sendo que 79 delas ocorreram na rede de hospitais particulares Sancta Maggiore.
Contudo, quase todos os corpos que estão chegando nos cemitérios públicos estão vindo do sistema público de saúde, que, ao contrário da rede particular, depende exclusivamente do Instituto Adolfo Lutz para o processamento dos testes de Covid-19.
"Sem a confirmação do instituto não podemos colocar a causa da morte como sendo a infecção pelo coronavírus, o caso fica em aberto, não tem jeito", diz a médica sanitarista e coordenadora do Serviço de Epidemiologia do Instituto Emílio Ribas, Ana Freitas Ribeiro. Ela reconhece que há atualmente espera de até 20 dias em alguns casos para retorno dos resultados de testes.
A Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, assim como o Serviço Funerário Municipal da capital, se recusam a informar o número total de pessoas que vieram a óbito e foram enterradas como casos suspeitos de Covid-19.
De acordo com os dois órgãos, os números são internos e não serão divulgados enquanto os casos não forem confirmados pelos exames. A cidade enterra em média 250 mortos por dia em seus 22 cemitérios municipais.
"A minha impressão é a de que as mortes que estão ocorrendo no sistema público de saúde ainda não estão entrando na contabilidade oficial por causa da sobrecarga do Adolpho Lutz, que está demorando em alguns casos até 20 dias para entregar os resultados", diz Sérgio Cimerman, coordenador científico da
Sociedade Brasileira de Infectologia e ex-presidente da Associação Panamericana de Infectologia.
Até o início dessa semana o Instituto Adolfo Lutz tinha uma fila de 14 mil testes aguardando resultado e recebia diariamente 1.200 novas amostras para serem testadas.
Sua capacidade de processamento era de 400 testes por dia, que foi ampliado agora, de acordo com a Secretaria Estadual da Saúde, para 1.000 testes diários.
"O que estamos vendo nesse momento nesses números de óbitos é uma realidade de duas ou três semanas atrás", diz Cimerman. "E isso me preocupa profundamente exatamente porque teremos uma explosão de casos daqui a algumas semanas, bem no meio da quarentena, e isso servirá de argumento de que o isolamento não funcionou."
Nos maiores cemitérios públicos de São Paulo –como os de Vila Nova Cachoeirinha, Tremembé, São Luiz, Quarta Parada e Vila Formosa– os sepultamentos de pessoas com suspeita de estarem com a Covid-19 se transformaram em rotina nas últimas semanas.
Em cada um deles, desde a semana de 21 a 27 de março, são realizados de quatro a seis enterros, a cada dia, de pessoas com suspeita de estarem infectadas com o novo coronavírus.
Em alguns dias, como no domingo (29) no cemitério da Vila Formosa, o maior da América Latina, os corpos de mais de dez pessoas com suspeita de terem morrido em decorrência da Covid-19 foram enterrados.
Por lá os funcionários da área administrativa estimam que cerca de 200 corpos foram enterrados com suspeita de estarem contaminados pelo novo coronavírus desde o início da crise em São Paulo.
"Nós não sabemos quantos estavam mesmo e quantos não estavam, mas aqui tratamos como se todos estivessem com Covid-19, é triste, mas precisa ser assim", conta um dos assistentes da administração central do Vila Formosa, falando de como os corpos são embalados. Sem resultado do teste, nenhum cadáver entra na contabilidade oficial.
O Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo tem pressionado a prefeitura a divulgar os números, sem sucesso. "Nosso pessoal tem relatado um aumento enorme desses casos, mas gostaríamos que o governo divulgasse os números de suspeitos para que nós e a população pudéssemos saber exatamente como agir", diz o diretor do Sindsep, João Batista.
"Só hoje de manhã eu fui buscar seis, sozinho", dizia no sábado (28) um motorista da frota de carros funerários da prefeitura que omite o nome para não ter problemas.
Segundo ele, o volume cresce a cada dia. Ele relata transportar corpos que já saem do hospital embalados em sacos plásticos e são levados diretamente para as covas, sem passar por funerárias, sem passar por tratamento de conservação nem por velórios.
Foi o assim o enterro do corpo da aposentada Maria José dos Teles Santos, 77. Ela começou a apresentar sintomas de gripe há mais ou menos uma semana. Piorou, teve febre, falta de ar e foi internada na quarta-feira, dia 25, na Santa Casa. Morreu no sábado por insuficiência respiratória.
Seu boletim de óbito trazia uma informação comum entre pacientes que faleceram com os mesmos sintomas que ela: morte a esclarecer, aguardando swab de naso e orofaringe.
"No hospital nos disseram que ela provavelmente morreu de Covid-19, mas que enquanto o exame não chegar não poderão determinar a causa", diz Pedro Domingos Leite, sobrinho de Maria José.
"É uma situação complicada, não pudemos nos despedir dela, não sabemos se estamos de fato infectados, não sabemos com certeza do que ela morreu", dizia ele.
Acompanhado de quatro amigos, viu o corpo da tia ser enterrado em uma cova rasa do Cemitério Vila Formosa. Não pode fazer a despedida. O caixão saiu do carro funerário diretamente para a sepultura.
SEM DESPEDIDA
Alícia Choque Salinas só tinha um pedido quando chegou ao cemitério da Vila Formosa, na zona leste de São Paulo, no final da ensolarada manhã de sábado (28).
A quem encontrava, repetia em espanhol: "Por favor, déjame ver a mi hijo". Amparada por uma das filhas, recebia negativa sobre negativa dos funcionários do Serviço Funerário Municipal. Ela não poderia ver o filho.
Marisol traduzia para a mãe as explicações de que o corpo de qualquer pessoa que possa ter morrido por contaminação do novo coronavírus teria que ser enterrado com o caixão lacrado, sem velório.
Alícia, uma boliviana de 62 anos que chegara de La Paz pouco mais de duas semanas antes com o filho, parecia não escutar. "Mi hijo, déjame ver a mi hijo".
Os sepultadores já se preparavam para levar o corpo a uma cova rasa quando um deles teve compaixão de Alícia. Antes de abrir o pequeno compartimento selado por um vidro, avisou: "Ela não vai ver nada, ele tá num saco".
Alícia se aproximou, viu o plástico azul enrugado onde deveria estar o rosto de Franz Limache Choque, seu filho de 29 anos, e desabou num choro angustiado.
Havia sido na segunda-feira, dia 23, que Alícia e Marisol acharam por bem levar Franz para o Hospital da Cidade Tiradentes, também na zona leste de São Paulo. Ele estava com febre, calafrios, tosse e dificuldade para respirar.
"Nos disseram que era uma pneumonia, que ele ia ter que ficar internado", conta Marisol. Na própria segunda, ele foi para a UTI. Na quinta, no final da noite, o hospital informou que ele havia morrido.
"Não o vimos desde então, não nos deixaram nem mesmo dar um adeus, disseram que ele podia ter morrido por esse vírus", diz ela, que trabalha como costureira em uma confecção da região do Brás.
Desde o dia 20 de março, enterros solitários e com nenhuma cerimônia como o de Franz têm se repetido com cada vez mais frequência pelos cemitérios de São Paulo.
De acordo com uma resolução da Secretaria Estadual de Saúde, todas as mortes que tenham qualquer suspeita de estarem relacionadas com a Covid-19 precisam seguir um protocolo rígido para garantir a segurança dos profissionais que lidam com os cadáveres.
A determinação prevê que corpos suspeitos de estarem infectados pelo novo coronavírus não devem mais passar por necropsia. Seguem direto dos hospitais para as covas.
Pelas novas regras, esses cadáveres devem ser embalados em sacos plásticos, e os caixões, lacrados.
Antes, todos seguiam para o Serviço de Verificação de Óbito, que concederia o atestado da causa da morte. Agora não passam nem mesmo pelos serviços funerários de preparação do corpo.
As regras, porém, nem sempre são seguidas à risca –há casos em que chegam ao cemitério enrolados em lençóis, vazando fluídos corporais.
Foi o que aconteceu com o irmão de Luís Rodrigues de Lima, um porteiro de 65 anos morador da Cidade Líder, na zona leste de São Paulo. Antônio Rodrigues de Lima passou mal na quinta (26) e foi levado para o hospital Santa Marcelina, onde morreria no sábado.
"Nós achamos que se tratasse de um infarte, mas o boletim de óbito veio como suspeita de Covid", diz ele.
Ao abrir janela do caixão para dar adeus ao irmão, viu que o cadáver estava enrolado em um lençol branco, com manchas na região da cabeça causadas pelos líquidos que o corpo expele naturalmente se não for devidamente preparado.
Segundo um agente funerário que prefere se manter em anonimato, o caso não era o primeiro ali. Ele diz que em alguns lugares está faltando saco para os suspeitos de Covid.
Luís enterrou Antônio acompanhado de poucos parentes e um único amigo do irmão, morto aos 70.
"É muito triste tudo isso, muito triste não poder ter nem velório", lamentou. "Mas é mais triste ver meu irmão ser enterrado assim, todo sujo, nem uma roupa deixaram a gente colocar. Esperava que o fim fosse diferente."

Fonte: Yan Boechat da Folhapress

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