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29 de set. de 2020

É urgente dar sonho e alegria às crianças


Nas minhas releituras do grande poeta Carlos Drumond de Andrade, me deparo com as reflexões, inquietações e dúvidas que ele manifesta sobre ser criança ou tornar-se adulto, contidas no seu poema “Verbo Ser”: 

“Que vai ser quando crescer? Vivem perguntando em redor. Que é ser? É ter um corpo, um jeito, um nome? Tenho os três. E sou? Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito? Ou a gente só principia a ser quando cresce? É terrível, ser? Dói? É bom? É triste? Ser: pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas? Repito: ser, ser, ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado a? Posso escolher? Não dá para entender. Não vou ser. Não quero ser. Vou crescer assim mesmo. Sem ser. Esquecer.”

Pensando, pois, no Drumund, ponho aqui minhas preocupações relativas à infância brasileira, às crianças que, estando pertinho da gente, cercadas do nosso afeto, do nosso estímulo e da nossa compreensão; ou, ao contrário, muito longe, por vezes em lugares ermos e lares desajustados, em condição de abandono e violência, estão sedimentando, da forma certa ou do modo mais errado, as bases interiores que as tornarão os adultos de amanhã.



E trago esta questão, severa e crucial, num momento em que nos encontramos muito próximos de celebrar mais um dia dedicado às Crianças, em 12 de Outubro; e a pouco mais de um mês, em 15 de Novembro, de ver o Brasil, em todos os 5.570 municípios, realizando eleições que vão escolher os prefeitos e os integrantes das Câmaras Municipais de Vereadores.

Mas, o que tem uma coisa a ver com a outra?

O artigo 227 da Constituição Brasileira de 1988 impõe que ”é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente , com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, educação, lazer, profissionalismo, cultura, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Mas o que vemos?

Vê-se, infelizmente, que a chamada “Constituição Cidadã”, ao contrário de ser aplicada na construção de um país melhor, tem sido violentada, de maneira elevada e progressiva, em vários aspectos relativos às crianças e aos adolescentes, marcando-os pelo abandono, pelo desrespeito, pela desnutrição, por restrições à saúde, pela falta de oportunidades, pelas portas fechadas nas escolas e, mais cruelmente, pela própria morte.

Em 2019, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva ( ABRASCO) lançou um documento denunciando o alarmante nível de violência praticado contra crianças e adolescentes de 0 a 13 anos, sendo que 58% dos casos ocorrem dentro da própria casa das vítimas, aparecendo os estupros cometidos contra meninos e meninas como as causas mais frequentes. Dados divulgados pelo UNICEF revelam que, todos os dias, 32 crianças e adolescentes morrem assassinadas no Brasil. Entre 1996 e 2017, mais de 190 mil crianças e adolescentes perderam a vida em nosso país por causas violentas.

Outro documento baseado em auditoria do IBGE, de 2018, mostra que mais de 2 milhões de crianças estão fora das salas de aula e que, mais gravemente ainda, quase metade dos municípios brasileiros não sabem quantas crianças de 4 e 5 anos estão fora da escola. Ou seja: seus prefeitos. Eleitos pelo voto do povo, se mostram incompetentes ou indiferentes a uma realidade tão brutal.


Outro aspecto grave é quanto à falta de segurança alimentar, que tem crescido no Brasil de modo alarmante, a ponto de fazer o IBGE prever que “se nada for feito, 69 milhões de crianças podem morrer de doenças e outras causas evitáveis antes de completarem 5 anos de idade até 2030”, ou seja, daqui a 10 anos.

Essas ligeiras pinceladas sobre a tragédia brasileira nos fazem ter o nítido entendimento de que o tripé de responsabilidades imposto pela Constituição de 1988 – família, sociedade e estado - vem falhando de maneira irresponsável e comprometedora.

Sabe-se que o aumento da pobreza no Brasil, que vem se registrando de modo cada vez mais alarmante, tem influência determinante em todos esses quadros de degradação, de violência, nessa eliminação de sonhos e de oportunidades de crianças e adolescentes inseridos nesse ambiente de miséria. O aprofundamento do fosso entre os poucos muito ricos e os muitos muito pobres, constitui-se um risco grave de tragédia para o Brasil.

É urgente, portanto, que as famílias, a sociedade e o Estado acordem no sentido de oferecer responsabilidade concreta à tarefa de dar às crianças e adolescentes do país “o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”

Nunca foi tão necessário dar às crianças e adolescentes brasileiros a companhia permanente do Sonho e da Alegria, para que possam prosperar numa vida saudável, de modo a desfazer as inquietações do imortal Drumond: Não terem medo de ser adultos e adultas.

Eis aí minha esperança.

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