A entrada do Irã no Brics, no ano passado, quando o grupo
passou de cinco para onze países, trouxe para dentro do bloco disputas
envolvendo Teerã, Israel e os Estados Unidos.
Pouco depois de novos confrontos, incluindo bombardeios dos
EUA contra instalações iranianas, representantes do Irã vão
participar da cúpula do Brics no Rio de Janeiro. O evento será
realizado nos dias 6 e 7 de julho, com a presença do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, mas contará com ausências importantes: o presidente da China, Xi
Jinping, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, não estarão no encontro.
A AGENDA
O presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, também cancelou a
viagem por causa dos conflitos recentes. Ele será representado pelo ministro
das Relações Exteriores, Seyed Abbas Araghchi.
Fontes que acompanham as discussões afirmam que o agravamento
da crise com Israel fez com que o Irã endurecesse suas exigências nas
negociações do documento final da cúpula. Um dos principais pontos de desacordo
é a tradicional defesa, por parte do Brics, da criação de dois Estados no
conflito entre Israel e Palestina. O Irã, que não reconhece Israel, rejeita
essa proposta.
As conversas sobre o conteúdo da declaração continuam até o
fim da cúpula. Em junho, o bloco divulgou uma nota condenando ataques contra o
Irã, mas sem mencionar diretamente Israel ou os Estados Unidos. O texto afirmou
que as ações contra Teerã violam o direito internacional e a Carta da ONU. A
nota também defendeu a criação de uma zona livre de armas nucleares no Oriente
Médio.
Enquanto EUA e Israel acusam o Irã de tentar fabricar armas
nucleares, Teerã diz que seu programa tem fins pacíficos. O país respondeu aos
ataques, mas com menor impacto. Depois disso, foi acordado um cessar-fogo.
Especialistas afirmam que a nota do Brics mostra que o apoio
ao Irã dentro do grupo é limitado. Um dos motivos é a posição da Índia, que tem
laços importantes com Israel na área de defesa.
"O Brics está mais dividido do que antes. Como são
muitos países agora, é difícil chegar a um posicionamento mais firme", diz
Oliver Stuenkel, professor da FGV e pesquisador em política internacional.
Ele avalia que o bloco não tem peso direto nos conflitos
envolvendo o Irã. Apesar de China e Rússia terem apoiado a entrada do país,
isso não representa um compromisso de ajuda militar.
"O Brics é uma aliança política, não militar. O Irã teve
que enfrentar os ataques praticamente sozinho", comenta Dawisson Belém
Lopes, professor de política internacional na UFMG.
EXPANSÃO DO BRICS GERA CRÍTICAS E DIVIDE MEMBROS
Criado em 2009 com Brasil, Rússia, Índia e China, o Brics
ganhou a África do Sul em 2011 e se expandiu em 2024 com seis novos
integrantes: Irã, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Indonésia.
A Arábia Saudita ainda não confirmou oficialmente sua adesão, mas participa das
reuniões.
Outros nove países também são considerados parceiros do
grupo, entre eles Bolívia, Cuba e Cazaquistão. A ampliação foi incentivada por
China e Rússia e enfrentou resistência do Brasil, que teme perder influência no
bloco.
Com mais países autoritários entre os membros, o Brics tem
sido acusado de adotar uma postura contrária ao Ocidente. Para Stuenkel, o
Brasil tentou evitar a entrada do Irã, mas foi superado pelas pressões da China
e da Rússia.
"Essa mudança complica a estratégia do Brasil, que busca
manter uma posição equilibrada nas relações internacionais", diz ele.
O governo brasileiro tenta manter o foco da cúpula em temas
técnicos, como economia e cooperação entre os países. Uma declaração mais dura
sobre os conflitos pode atrapalhar as negociações da COP30, marcada para
novembro, em Belém.
Apesar dos desafios, Stuenkel considera que a presença do
Brasil no grupo ainda é importante para abrir diálogo com países estratégicos.
Recentemente, a revista The Economist afirmou que o
Brasil, ao lado de China e Rússia, parece mais distante do Ocidente. Em
resposta, o Itamaraty defendeu o Brics como um espaço para discutir mudanças na
governança global e apoiar o desenvolvimento sustentável.
RÚSSIA E A GUERRA NA UCRÂNIA
Além do Irã, outro membro do bloco envolvido em guerra é a
Rússia, que invadiu a Ucrânia em 2022. O Brics nunca condenou a ação, diferente
do G7, grupo formado por potências ocidentais, que adotou sanções contra
Moscou.
Segundo Stuenkel, o Brics dificilmente tomará uma posição
firme contra um de seus próprios membros, como a Rússia. "Os países têm
poder de veto. É o mesmo que ocorre no G7, onde os EUA não permitem críticas a
Israel", compara.
Na declaração do ano passado, o Brics dedicou várias linhas
ao conflito entre Israel e Palestina, condenando a violência em Gaza e na
Cisjordânia. Já sobre a guerra na Ucrânia, o texto foi mais curto e genérico,
apenas reafirmando o compromisso com o diálogo e a diplomacia.
O Brasil criticou a invasão da Ucrânia, mas manteve uma
relação estável com a Rússia. Segundo o professor Dawisson Lopes, essa posição
segue a tradição brasileira de defesa da soberania dos países, mesmo que
mantenha diálogo com os dois lados.
Fonte Meio