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13 de out. de 2020

Nobel da Paz para programa da ONU, um ato de esperança


O Prêmio Nobel da Paz deste ano acaba de ser concedido ao Programa Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas (ONU), num momento em que o mundo se encontra mergulhado numa grave crise sanitária, decorrência da pandemia do Coranavírus, e vê crescer, de maneira alarmante, o número de seres humanos ingressando na miséria e, portanto, na insegurança alimentar.

Cabe aqui, de início, uma trágica comparação: enquanto a fome tem aumentado em várias partes do mundo, indicando que, hoje, cerca de 821 milhões de pessoas, a maioria crianças e mulheres, estão submetidas ao risco de insegurança alimentar, e que só neste ano de pandemia os cálculos estimam que mais 115 milhões de pessoas descerão ao território da miséria extrema, a fortuna dos bilionários do mundo, aqueles que a cada dia ficam mais ricos, está crescendo 27%. E isso não é falácia de progressistas, nem alarme da imprensa. São dados coletados e divulgados por organismos internacionais , especialmente FAO e UNICEF.

De acordo com o Bando Mundial, a alta da extrema pobreza é a primeira que se registra em duas décadas e vai elevar 9,4% o percentual da população global nessas condições de miséria e fome.


Daí, o que o Nobel acaba de fazer, ao premiar o programa da ONU, é um notável alento, pois coloca no centro das atenções, no palco das discussões, um problema da mais cruel gravidade, que está levando milhares de pessoas em quase todo o planeta à inanição, à interrupção de sonhos e à morte. Um gesto que nos devolve esperança.


A meu ver, essa atitude do Nobel contém visível coragem e tem um significado que se aproxima da luta que o brasileiro Josué de Castro desenvolveu ao longo de toda a sua vida acadêmica e política, produzindo uma obra inédita e vigorosa sobre a realidade da fome, numa época que tratar desse tema era um verdadeiro tabu. Tanto que, é bom lembrar, a frase cunhada por outro grande brasileiro, Dom Hélder Câmara: “ Se falo dos famintos, todos me chamam de cristão, mas se falo das causas da fome, me chamam de comunista.”

Programa Mundial de Alimentos da ONU


Josué de Castro, em seus livros, sobretudo em Geografia da Fome, Geopolítica da Fome, Homens e Caranguejos, O Livro Negro da Fome e Fome Um Tema Proibido, escancarou ao mundo sua denúncia contra a fome no Brasil, e teve atuação destacada no planeta, como membro do Comitê Consultivo Permanente de Nutrição da ONU, desde 1947, um ano após publicar Geografia da Fome, e como presidente do Conselho Executivo da FAO (organismo da ONU para Alimentação de Agricutura), entre 1952 e 1956. Foi também embaixador do Brasil junto à ONU. Josué pagou seu esforço, sua contribuição e sua coragem com o exílio, sem jamais voltar país. Ao morrer, em 1973, Josué de Castro era professor estrangeiro convidado da Universidade de Paris, função que abraçara em 1968.

Pois bem, o objetivo geral do programa da ONU agora premiado com o Nobel da Paz, tal quanto a luta de Josué, é fortalecer a paz e a estabilidade, promovendo a segurança alimentar e a melhoria da nutrição das pessoas no mundo.

Programa Mundial de Alimentos da ONU

O programa interveio em várias emergências globais desde sua criação, em 1961. Só no ano passado, o PMA ajudou cerca de 97 milhões de pessoas em 88 países. Os governos mundiais são a principal fonte de financiamento — suas maiores doações vêm dos Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido. O programa também é financiado por empresas e indivíduos.


Evidencia-se a importância desse organismo da ONU quando se observa que só em 2020 estima-se que 115 milhões de pessoas estejam sendo empurradas para a miséria, número que pode crescer a 150 milhões em 2021.


Na outra ponta, os bilionários do mundo têm visto a fortuna crescer durante a pandemia. Só entre abril e julho deste ano, de acordo com um relatório de outubro do banco suíço UBS, o aumento foi de 27,5%, para US$ 10,2 trilhões, uma cifra recorde. Segundo o estudo, os ultra-ricos se beneficiaram especialmente ao investir no mercado acionário na baixa, entre março e abril, quando o mundo entrou em quarentena, e lucraram em seguida com a recuperação do preço das ações. Pelo critério do Banco Mundial, a extrema pobreza é caracterizada por uma renda diária de até US$ 1,9 (cerca de R$ 10).

O Brasil, particularmente, já vinha experimentando aumento da pobreza extrema nos últimos cinco anos. Conforme os dados da Pnad Contínua, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019 13,88 milhões de brasileiros viviam nessa condição, cerca de 170 mil mais do que no ano anterior.

O Banco Mundial havia estabelecido, em 2013, o objetivo de reduzir a extrema pobreza ao nível máximo de 3% da população global até 2030. Agora, a organização afirma que a meta é inalcançável sem a "implementação rápida de políticas significativas e substanciais".

O relatório indica que a pobreza deve crescer neste e no próximo ano em países que já têm um nível elevado de pobreza — 82% do total estimado seria em países classificados como de renda média. O número de bilionários também atingiu um novo recorde: são 2.189, contra 2.158 em 2017.



O Brasil, que vinha numa linha esperançosa de combate à miséria e da eliminação da fome, passou a apresentar fortes sinais de retrocesso. A curva de desnutrição, que se verificava descendente há mais de uma década, voltou crescer nos últimos três anos. O número de famintos no país, atualmente, é estimado em 5,2 milhões de pessoas, de acordo com relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. Seis em cada 10 crianças brasileiras vivem na pobreza, segundo a Unicef.

Embora esteja provado que a fome não é – e nunca foi -, um problema natural, mas uma ação perversa do próprio homem e que também seja verdadeira a constatação de que o mundo produz os alimentos suficientes para alimentar todas as pessoas na face da terra, milhares de seres humanos morrem de fome todos os dias. Calcula-se que a cada quatro segundos alguém morre por falta de alimentos em algum lugar do planeta. Enquanto isso ocorre, dois terços de todos os alimentos produzidos no mundo são jogados no lixo, desperdiçados pela incúria e insensibilidade de quem deveria gerir esses produtos. Outro estudo da ONU revela que nada menos do que 124 milhões de pessoas sofrem de “fome aguda” devido a guerras, desastres e epidemias.

Essa alarmante e vergonhosa realidade nos leva a acreditar que o mundo seria outro, muito melhor, se os gritos de alerta do grande brasileiro Josué de Castro, os seus estudos aprofundados durante anos, a sua corajosa ação política desenvolvida no plano internacional, tivessem sido levados em conta de modo sério e honesto por parte de governantes e detentores do poder.


A fome sempre existiu, desde os primórdios do mundo, mas o que realça e engrandece a missão de Josué de Castro, desde a sua estrondosa e, cruelmente atual obra Geografia da Fome, foi ele considerar a fome como fenômeno social, uma criação do homem, e não uma destinação da natureza, e ter a coragem cívica de chamar a atenção do mundo para a realidade da desnutrição como força social. Josué nos mostrou que o novo não era a fome, mas a perspectiva que passava a colocá-la claramente como uma trágica realidade a ser enfrentada.

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